sábado, 12 de setembro de 2009

Fazer Dinheiro - Entrevista com David Altig, vice-presidente do Fed: "Vamos lavar pratos para pagar o jantar"


Roberto castro/AG. Istoé

David Altig é um dos mais carismáticos membros do Federal Reserve. Formado pela Brown University, ele sempre foi um fervoroso defensor do livre mercado. Hoje, no entanto, o professor da Universidade de Chicago está convencido da necessidade de criação de marcos regulatórios para o sistema financeiro. Nesta entrevista exclusiva à DINHEIRO, Altig traça com um otimismo envergonhado o panorama da economia americana. Parte do bom humor veio da confirmação de que o PIB do país caiu só 1% no segundo trimestre deste ano, melhor do que os 2% de recuo previstos. "Tivemos o jantar durante muito tempo, enchemos a barriga e chegou a hora de pagar a conta", diz ele. A seguir, os melhores trechos.

 

DINHEIRO - O sr. vem realizando algumas palestras sob o título "Será que acabou?". Qual é a resposta?
DAVID ALTIG - Se estivermos falando do apocalipse financeiro, é provável que tenha acabado. Isso não é nenhuma ironia. Não sabemos o que pode acontecer pela frente. E essa é uma das lições que tiramos dessa crise. Se estivermos falando da recessão, aí temos outros matizes. Está bastante claro que vai haver um crescimento positivo no terceiro trimestre. Talvez um pouco menos do que vai acontecer na Europa e no Japão, mas vai acontecer o fim da recessão.

Só não sabemos se teremos uma recuperação rápida ou ainda enfraquecida a partir disso. O problema é que o comitê que define se estamos tecnicamente em recessão é um tanto lento. A de 2001, por exemplo, terminou oficialmente em novembro daquele ano, mas o comitê só nos disse isso em julho de 2003.

DINHEIRO - Mas há como garantir que a recessão está perto do fim?
ALTIG - Nós recebemos na semana passada um relatório sobre bens de consumo que foi positivo. A mensuração da atividade industrial, que teve queda considerável durante a recessão, volta a se expandir agora. Já as vendas não estão indo tão bem. O gasto do consumidor também não. A melhor notícia que podemos tirar é que não está piorando. Estou descrevendo essa situação na economia americana há um bom tempo, desde que o presidente do Fed, Ben Bernanke, mencionou sinais de que haveria crescimento positivo, o que vem sendo chamado de primavera econômica. Eu tenho uma expressão um pouco menos gentil que essa. Se alguém está martelando sua cabeça duas vezes por dia e ele passa a martelar uma única vez, isso é uma melhora e tanto.

DINHEIRO - Um dos personagens mais controversos da crise, o economista Nouriel Roubini disse recentemente que a crise não acabou e que ainda pode ter graves repiques. Pelo que o sr. diz, ele está errado?
ALTIG - O que é verdade é que as condições para que as coisas voltem ao normal estão longe. Nouriel está certo ao dizer que podemos ver esses repiques no curto prazo, até mesmo em reação aos pacotes que estão sendo feitos. Ele também está correto, por outro lado, ao dizer que as coisas estão indo bem devagar e ainda são frágeis. Eu não preveria um novo choque tão forte, com a magnitude daquele do final do ano passado. Não preveria um crescimento negativo, mas que há um enforcamento da economia não tenho dúvida.

DINHEIRO - O consumo sempre foi a força motriz da economia americana e ainda não dá sinais de recuperação. O Fed vê uma luz no fim do túnel?
ALTIG Não no curto prazo. Os consumidores teriam de aumentar muito os seus gastos novamente para que a recuperação viesse com força e confiança, o que levaria também a um crescimento nos índices de emprego. Mas o que vemos acontecer, no entanto, é que a poupança será maior que isso. Mais do que em qualquer outro período da história americana.

DINHEIRO - Isso quer dizer que os americanos estão aprendendo com os asiáticos a economizar?
ALTIG - Em parte sim, pela dura experiência que tivemos. O período de gastança acabou na economia americana, o que pode ser uma coisa boa.

DINHEIRO - Houve uma troca do sonho americano para o pesadelo americano?
ALTIG Não diria dessa forma. Ainda estamos enfrentando grandes problemas, especialmente com o consumo. A questão é que aprendemos uma lição que tínhamos esquecido: coisas ruins podem acontecer. É uma sábia decisão mudar o comportamento econômico, trocando os gastos pela poupança. E é por isso que ainda não veremos tão cedo uma recuperação confiável da economia americana. Há razões para acreditar que as bases fortes ainda estão lá, mas isso ainda não é visível. A ostentação de riqueza, casas imponentes, isso já está desaparecendo e aprendemos de uma forma muito dura.

DINHEIRO - Um dia a fatura da crise chegará ao cidadão americano. Como ela será cobrada?
ALTIG - Só há três formas de fazer isso: aumentar impostos, cortar gastos ou empurrar com a barriga. Nós estamos absolutamente comprometidos a não fazer da terceira forma. Então só nos restam duas formas. Muito do tumulto que vemos na política americana hoje está ligada a isso. Não são apenas os chineses que estão perguntando qual é o nosso plano. Os americanos também estão cobrando. Nós tivemos o jantar por muito tempo. Enchemos a barriga. No momento, estamos nos levantando para pagar a conta. E acredito que teremos até de lavar alguns pratos.

DINHEIRO - Falando nos chineses, vez ou outra, eles manifestam preocupação em relação aos títulos americanos. Como o Fed vê a credibilidade desses papéis?
ALTIG A China está respondendo a uma série de incertezas em relação à política americana. Eles estão muito expostos à nossa dívida e alimentam preocupações que nós mesmos temos. E é por isso que estamos discutindo nosso processo fiscal.

DINHEIRO - Então eles têm alguma razão para se preocupar?
ALTIG Tenho de responder isso com cuidado. É legítimo perguntar como vamos colocar nossa política fiscal em ordem. Eles têm razão em perguntar o que faremos em relação à nossa dívida. Nesse sentido, eles têm razão. Mas somos mais interessados nisso do que qualquer um.

DINHEIRO - Por quanto tempo a economia americana consegue sustentar uma taxa de juros praticamente zerada?
ALTIG - A resposta mais honesta é: não sei. Se as últimas previsões sobre a profundidade da recessão estiverem corretas, é possível que possamos mantê- la por mais um tempo.

DINHEIRO - Quanto tempo?
ALTIG - Essa é a pergunta de um milhão de dólares. Ou melhor, de um bilhão. Não temos como saber. Provavelmente vamos sentar numa mesa e discutir todas as variáveis, capacidade instalada, produção industrial, consumo... Discutiríamos isso por semanas e não chegaríamos a uma resposta. Pode ser três semanas, seis meses ou um ano. É uma bola de cristal que está ainda muito nebulosa. Nada do que vemos, no momento, indica que a solução esteja na esquina.

DINHEIRO - O Banco Central Europeu passou a olhar exemplos bem-sucedidos em modelos emergentes, como o sistema de metas de inflação e superávits primários. Essas ferramentas sempre foram cobradas pelo FMI, com apoio dos Estados Unidos. O Fed pensa em adotar mecanismos de controle econômico daqui para a frente?
ALTIG Acredito que a resposta seja sim. Principalmente se pensarmos nas metas de inflação, como o Brasil tem. A maioria dos países está à frente dos Estados Unidos em adotar essas fórmulas. É uma discussão que ainda estamos aprendendo. Nessa crise, nós vemos coisas que poderão nos ajudar quando o processo de crescimento voltar, como em relação à inflação. Outro exemplo vem da Espanha, que tem um marco regulatório do sistema financeiro que nos chama a atenção. Estamos discutindo várias propostas, mas ainda não tivemos tempo de achar uma fórmula ideal para adotar em nosso país.
Como essa crise é global, estamos buscando junto a outros países formas de enfrentar as dificuldades que passamos. Há lições a serem aprendidas.

DINHEIRO - Quer dizer que o Federal Reserve falhou?
ALTIG Não tenho dúvida de que, à medida que pensamos mais, e que fazemos essa transição de agora para um mundo pós-crise, aprenderemos mais. Não posso dizer que falhamos, mas, de fato, deixamos de olhar mais atentamente ao que estava se passando em alguns setores da economia.

DINHEIRO - Podemos esperar, então, uma nova face da economia americana no futuro?
ALTIG - Estou muito otimista em relação a isso. Não há nenhuma razão para não acreditarmos que o crescimento robusto virá. Exigirá decisões difíceis, mas no final um modelo de economia livre ainda é sustentável. O panorama é bom para os Estados Unidos e para o resto do mundo. Agora, não vejo um mundo pós-americano, como muitos pregam. O dólar continuará sendo a moeda mundial, os mercados financeiros americanos continuarão sendo o centro do mercado mundial. Neste sentido, não acho que o modelo americano será deixado de lado. Entretanto, como os BRICs têm demonstrado que seus modelos de desenvolvimento estão funcionando, eles se tornarão parte deste quadro e isso é uma coisa muito boa. Não devemos garantir nada disso, mas não há razão para discutir que o mundo não terá novamente uma economia americana forte.

DINHEIRO - Há disposição do Fed em bancar o plano do secretário Timothy Geithner, que propõe uma supervisão mais eficaz do sistema financeiro?
ALTIG - Ainda não temos uma posição fechada sobre isso, mesmo tendo sido articulado com o presidente Bernanke. Somos uma autoridade monetária e essa posição de supervisor sistêmico é de fundo fiscal. Mas a criação de mais regras contra o fogo não vai fazer com que o fogo não exista. Inevitavelmente, a inovação financeira ultrapassa os limites regulatórios e as diferenças entre as regras de mercado em cada país ou instituição tornam a arbitragem regulatória um fato da vida.

DINHEIRO - Em relação ao programa de ativos podres, já há alguma mensuração do prejuízo para os cofres públicos norte-americanos?
ALTIG - Qualquer número que saia é uma mera especulação. Sempre trabalhamos com um modelo para aquelas instituições que pudessem vir a fechar, mas não para as da crise atual. Ninguém sabe precificar isso. E nem tão cedo saberemos.

http://www.terra.com.br/istoedinheiro/edicoes/623/imprime151537.htm
por Gustavo Gantois

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